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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

“Natal, e não Dezembro”

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira*, Cancioneiro de Natal(Prémio Nacional de Poesia)

 

 

Numa época propícia ao renascimento e à reconciliação... desejo a todos  um Natal verdadeiramente vivido com muita alegria e paz, que se estenda por todo o Ano de 2010. Boas Festas!
Beijos e abraços bem agasalhados (convém)
JP

 

 

Fonte: a minha amiga tripeira M. e a problemática Ni :)  ;
          *- David Mourão-Ferreira, escritor português (Lisboa, 24.2.1927 – Lisboa, 16.6.1996): poeta, ficcionista, tradutor, dramaturgo, ensaísta, cronista, crítico literário, conferencista, professor. Licenciou-se em Filologia Românica (1951) com a tese «Três Coordenadas na Poesia de Sá de Miranda», pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
(INSTITUTO CAMÕES).

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Não, não é cansaço...

DenialImagem: CÉSAR ASTUDILLO (via Flickr)

 

Não, não é cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 111. (Fonte: ARQUIVO PESSOA)

 

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Morri a morte que por sorte sempre tive

“Aqui em Portugal aqui na vasta praia portuguesa
aqui nasci e ao nascer morri
como morri a morte que por sorte sempre tive
pesadamente do mais alto do meu peso dos meus anos
em cada um dos sítios onde um dia estive”

Ruy Belo, País Possível*

Apesar de, nos testes realizados pela Euro NCAP, o Renault Clio receber uma só estrela na categoria dos Pedestres, poderei confirmar

que essa estrelinha acompanhou o condutor que me “levou ao colo” duma passagem de peões.

Enquanto me sacudia e verificava se a roupinha da Arrow estaria intacta e sem uma nodoazinha que fosse, o raio do condutor, que pela cor com que ficou mais parecia um fantasma, ao mesmo tempo que me apalpava perguntava “Está bem? Não se magoou?”.

Mirrei de alto abaixo o fantasma e pensei para os meus botões «Nhã! Cá para mim és carteirista… vou dar de frosques», e assim fiz!  ;)

 

*Ruy Belo Todos os Poemas, Círculo de Leitores, 2000, pp. 386